Liga de Cardiologia, uma ferramenta bioética

 

 

            A formação do médico necessita muito mais do que o que está escrito nos livros e revistas médicas e dito nas aulas, simpósios e congressos.  Ela exige “pilotar” o paciente, uma expressão que significa: o estudante de Medicina tem que se envolver e se comprometer com os aspectos nosológicos presentes-ou em potencial- de cada caso que examina e acompanha.

            Há uma frase clássica atribuída a um mestre da Medicina brasileira chamado Miguel Couto, hoje nome de hospital no Rio de Janeiro; há doentes, não doenças. É uma  verdade, que precisa ficar afixada na mente de todo estudante de Medicina, para cada paciente “de livro” há outro “fora de série”, merecendo discussões nem sempre conclusivas.

Uma liga  de Cardiologia funciona como uma montagem destes  quebra-cabeças de muitas peças. Em geral, consegue-se juntar várias delas certinho, seguindo “algumas pistas”- informações do paciente, do exame e orientação dos professores-, mas  a dificuldade maior está no momento em que sobram várias pecinhas sem “pistas”- incerteza diagnóstica, dificuldades de acerto na terapêutica, dúvidas sobre  prognóstico.

A experiência que vamos ter sobre uma doença é a coleção de casos que vivenciamos a partir do momento em que nos são apresentados com muitas roupagens e até disfarces. Por isso, é importante desenvolver certas sensibilidades que nossos colegas de outras gerações valorizavam e que estão sendo pouco trabalhadas hoje em dia  em função dos avanços tecnológicos. Um exemplo é o chamado “olho clínico”, bateu os olhos, fez o diagnóstico, ou pelo menos apreendeu muitas informações do paciente, mesmo antes de qualquer palavra ou exame. O “olho clínico” vem sofrendo de catarata, uma catarata por desuso, pois a imagem pelos  aparelhos é a que se destaca atualmente.

Muitos pensam desta maneira: porque perder tempo auscultando uma valvopatia, se um ecocardiograma nos dá o diagnóstico com detalhes e... por escrito? Será que o estetoscópio só serve para se tirar a o pressão ou ficar pendurado para nos distinguir de outro profissional da saúde?

Uma liga de Cardiologia tem a alta responsabilidade de mostrar  ao futuro médico que a sua formação não pode dispensar a propedêutica física e que é preciso conciliar a tradição do estetoscópio com a modernidade dos métodos de imagem, um método se apóia na outro.

Do ponto de vista terapêutico, é essencial  criar a consciência que o paciente não é exatamente aquela figura   idealizada que tudo entende e tudo faz conforme nossa orientação. Muito pelo contrário, a adesão costuma ser muito variável. A boa relação médico-paciente ajuda muito a manter o paciente aderido ao tratamento e só  se desenvolve a necessária empatia, por estarmos sempre ao lado de nossos pacientes.  É um processo de continuidade que admite a fragmentação, ou seja, cada caso nos acrescenta um pedacinho de Medicina.  E uma Liga  de Cardiologia tem  o poder de ligar muitos corações doentes, resultando tanto o conhecimento e capacitação para o estudante de Medicina quanto o benefício para o paciente.

Se liga, pessoal!