UM CONTRATO EM ELABORAÇÃO CONSTANTE COM LÁPIS E BORRACHA
Max Grinberg
Toda vez que o médico atende um paciente cria-se um “contrato” não escrito no momento, mas com fundamentos em certos Códigos elaborados pela sociedade- Código de Ética Médica, Código Civil e Código Penal.
Este “contrato” reza que médico e paciente assumem responsabilidades com o objetivo de recuperar a saúde de quem está doente e/ou evitar doença em quem está saudável.
O estudante de Medicina aprende no internato e nas Ligas de especialidades que o “contrato” não dá poderes ao médico para raciocinar da seguinte maneira: “ ... se ele me procurou, estou plenamente autorizado a aplicar qualquer método diagnóstico ou terapêutico...” Exclua-se desta verdade, a situação de emergência que exige do médico tomar medidas independente da concordância do paciente, sob pena de incorrer em erro por omissão de socorro.
Neste sentido, no cenário dos ambulatórios e enfermarias dos hospitais universitários, os dois personagens- estudante de Medicina e usuário do sistema de saúde( a nova denominação socialmente correta para paciente) devem interagir segundo o princípio da autonomia, uma conquista bioética em prol da humanização da relação médico-paciente.
Há a autonomia do paciente e há a autonomia do médico e , assim, o estudante de Medicina precisa conscientizar-se desde cedo que irá praticar sua atividade profissional entre muitas aceitações e recusas, tanto do paciente quanto dele próprio. Pois o princípio da autonomia visa justamente ao encontro de um equilíbrio negociado entre o que o médico propõe e o que o paciente aceita, existindo também o vice-versa.
É papel do médico dar sentido a uma situação clínica utilizando o seu conhecimento e capacitação. É papel do paciente submeter-se a métodos de diagnóstico, tratamento e prevenção de acordo com sua necessidade e vontade. Não infreqüentemente, os dois personagens não interpretam o script da mesma forma e a negociação se faz necessária. Surgem então os limites, até onde paciente e médico podem mudar a sua opinião. Acrescente-se a participação da família que opina junto, mas em se tratanto de paciente adulto capaz, a última palavra deve ser sempre a de quem está doente.
Exemplo de conciliação possível é o paciente recusar-se a fazer uma tomografia computadorizada para esclarecer uma suspeita de sinusite e o médico concorda em tratar como tal, com base no seu entendimento clínico.
A seqüência dos fatos gera ou não outras negociações, dependendo da evolução ser favorável ou não e assim por diante. Portanto, aceitação & recusa é uma dupla dinâmica que pode variar a cada nova cena de negociação determinada pela situação clínica.
Exemplo de conciliação impossível é o paciente solicitar um atestado falso, a negociação está proibida pelo seu aspecto moral. Saliente-se que qualquer concessão indevida irá funcionar eticamente como um ato por iniciativa do médico, “desaparecendo” a figura do solicitante.
Uma Liga de especialidade é essencial para que o estudante de Medicina construa uma curva de aprendizado sobre atitudes frente ao paciente numa espiral ascendente que lhe proporcione ir ajustando a medida do quanto de tolerância pode ser permissível a cada situação defrontada. O que não pode é fazer algo para o qual não está autorizado pelo paciente, por mais benéfico que seja -por isso o termo usuário, ele usa de assim quiser, não usa se assim não quiser. E aqui vai um alerta máximo: anotem tudo no prontuário, pois ele é o documento maior para resgatar o que de fato aconteceu. Caneta não é enfeite para o bolso e prontuário mal preenchido é sinal de falta de zelo no atendimento. O prontuário é propriedade do paciente, elaborado pelo médico e equipe de saúde e guardado pela instituição; a qualquer momento, o paciente pode solicitar o seu direito inalienável de obter uma cópia. E lá precisa estar a verdade bem documentada e acompanhada de certos esclarecimentos úteis para a defesa profissional!
Essa construção de um modelo de postura é essência do ser médico ético. Mentalizem que nestes seis anos de Faculdade vocês estão fazendo um desenho a mão livre com lápis e borracha. Muitos anos depois de formado, o hoje estudante de Medicina verá que continuará com o lápis e a borracha na mão, retocando aqui e ali. Na busca do ideal, atingirá o possível e a cada possível atingido terá alcançado o seu ideal de médico. E vale para a Liga de que vocês participam e para o site que constróem.
Nunca deixem de usar o lápis e a borracha das boas práticas em saúde perante seus pacientes, cada retoque é um progresso, mas saibam que o desenho nunca estará totalmente concluído. Mas assim fazendo, o espelho da consciência profissional de cada um de vocês refletirá, no dia-a-dia, a própria imagem do prazer de ser médico. É o “contrato” maior, de si para si!