ANATOMIA
A valva aórtica é semelhante à valva
do tronco pulmonar, exceto pelo fato de suas válvulas semilunares serem mais
espessas e posicionadas de forma diferente. Além disso, os seios aórticos são
formados superiormente a cada válvula, pela dilatação da parede da aorta. O
sangue nos seios aórticos evita que as cúspides se adiram à parede da artéria,
deixando de fechar o óstio. Na figura observa-se: 1. a abertura da artéria
coronária direita no seio aórtico direito; 2. a abertura da artéria coronária esquerda
no seio aórtico esquerdo; 3. nenhuma artéria origina-se do seio aórtico
posterior (seio aórtico anterior). Por causa das diferenças nas denominações
deste seio, algumas pessoas referem-se a ele como o seio não coronário. A valva
aórtica está localizada obliquamente, posterior ao lado esquerdo do esterno, ao
nível do terceiro espaço intercostal.
Regurgitação
aórtica (RA) pode ser causada por doença primária ou dos folhetos da válvula
aórtica ou da parede da raiz aórtica, ou de ambos. Entre os pacientes com
regurgitação aórtica pura que vão para substituição valvular, a percentagem com
doença na raiz da aorta tem aumentado regularmente durante as últimas décadas e
agora chega a mais da metade de todos os pacientes.
Valvulopatia:
Febre reumática é uma causa comum de
valvulopatia primária causando regurgitação. As cúspides tornam-se infiltradas
com tecidos fibrosos e retraem-se, um processo que impede a aposição da cúspide
durante a diástole e comumente determina regurgitação para o ventrículo
esquerdo através de um defeito no centro da válvula. A fusão associada das
comissuras também podem restringir a abertura da válvula, resultando em
estenose e regurgitação aórticas combinadas; algum envolvimento de válvula
mitral associada é comum. Outras causas valvulares primárias de regurgitação
aórtica incluem endocardite infecciosa, na qual a infecção pode destruir a
válvula ou causar perfuração de um folheto, ou a vegetação pode interferir na
própria coaptação das cúspides. Traumatismo determinando fissura da aorta
ascendente e perda da sustentação comissural pode causar prolapso de uma
cúspide aórtica. Embora a complicação mais comum de uma válvula congenitamente
bicúspide seja a estenose na vida adulta, fechamento incompleto e/ou prolapso
maior de uma válvula bicúspide pode causar regurgitação isolada ou uma
combinação de estenose e regurgitação. Regurgitação aórtica pode se desenvolver
em pacientes com defeitos grandes do septo ventricular. Regurgitação
progressiva pode também ocorrer em pacientes com proliferação mixomatosa da
válvula aórtica.
Doença
da Raiz Aórtica:
Uma variedade de doenças produz
regurgitação aórtica por causar dilatação acentuada da aorta ascendente. RA
secundária à doença da raiz atualmente é mais comum que doença valvular
primária em pacientes submetidos a substituição de raiz da aorta. Estas
condições incluem dilatação da aorta relacionada com a idade (degenerativa),
medionecrose cística da aorta (isolada ou associada com a síndrome de Marfan
clássica), dissecção aórtica, osteogênese imperfeita, aortite sifilítica,
espondilite anquilosante, síndrome de Behçet, artrite psoriática, artrite
associada à colite ulcerativa, policondrite recorrente, síndrome de Reiter,
arterite de células gigantes e hipertensão sistêmica.
Quando o anel aórtico se torna
bastante dilatado, os folhetos aórticos separam-se e pode sobrevir regurgitação
aórtica. Dissecção da parede da aorta doente pode ocorrer e agravar a
regurgitação aórtica. Dilatação da raiz da aorta também pode determinar efeitos
secundários na válvula aortica, visto que resulta em tensão e abaulamento das
cúspides individualmente, que podem espessar-se, retrair-se e tornar-se muito
pequenas para fechar o orifício aórtico. Isso conduz a intensificação da RA,
que aumenta o volume de ejeção ventricular esquerdo, dilatando ainda mais a
aorta ascendente elevando assim a círculo vicioso, exatamente como no caso de
regurgitação mitral, onde a “regurgitação gera regurgitação”.
Regurgitação aórtica, independente
de sua etiologia, produz dilatação e hipertrofia do ventrículo esquerdo,
dilatação do anel da válvula mitral e, por vezes, hipertrofia e dilatação do
átrio esquerdo. Bolsas endocárdicas desenvolvem-se freqüentemente na cavidade
ventricular esquerda nos locais de impacto do jato regurgitante.
A
regurgitação aórtica impõe uma sobrecarga de volume ao VE, porque ele tem de
bombear o fluxo anterógrado que entra no átrio esquerdo, bem como o volume
regurgitante que retorna através da válvula aórtica incompetente. Como na
regurgitação mitral, a compensação da sobrecarga de volume ocorre do
desenvolvimento de hipertrofia cardíaca excêntrica, a qual aumenta o tamanho da
câmara e permite que o ventrículo bombeie volume sistólico total maiores,
portanto, um maior volume sistólico anterógrado. O aumento ventricular também
propicia que o VE acomode a sobrecarga de volume a uma pressão de enchimento
menor. Contudo, ao contrário da regurgitação mitral, na regurgitação aórtica
todo o volume sistólico é ejetado para a aorta. Como a pressão diferencial é
proporcional ao volume sistólico e à elastância da aorta, o volume sistólico
aumentado torna maior a pressão sistólica. A hipertensão sistólica leva a um
excesso de pós-carga, que não ocorre na regurgitação mitral, a não ser que o
débito cardíaco fique suficientemente baixo para causar constrição arterial
sistêmica. Não causa surpresa que a geometria ventricular também seja diferente
entre a regurgitação mitral e aórtica, porque o excesso de pós-carga na
regurgitação aórtica provoca um modesto elemento de hipertrofia concêntrica,
bem como excêntrica.
Na
insuficiência aórtica aguda, como pode ocorrer na endocardite infecciosa, a
intensa sobrecarga de volume no VE despreparado resulta numa queda repentina do
débito anterógrado e aumento inopinado da pressão de enchimento do VE. É
provavelmente essa combinação de fatores fisiopatológicos que leva a
descompensação rápida, presumivelmente porque o gradiente para o fluxo sanguíneo
coronário é bastante diminuído, causando isquemia e deterioração progressiva da
função do VE. Na insuficiência aórtica aguda, a vasoconstrição reflexa aumenta
a resistência vascular periférica. Na insuficiência aórtica crônica compensada,
não há vasoconstrição, e a resistência vascular pode, na verdade, estar
reduzida e contribuir para a circulação hiperdinâmica observada nesses
pacientes.
Os sintomas
mais comuns, decorrentes da regurgitação aórtica crônica, são os da
insuficiência cardíaca esquerda, ou seja, dispnéia aos esforços, ortopnéia e
fadiga. Na regurgitação aórtica aguda, débito cardíaco baixo e choque podem
ocorrer rapidamente. O início dos sintomas na regurgitação aórtica crônica
geralmente é o prenúncio da disfunção sistólica do VE. Contudo, alguns
pacientes com sintomas têm função sistólica aparentemente normal, podendo os
sintomas ser atribuídos a disfunção diastólica. Outros pacientes podem ter
disfunção ventricular, mas, assim mesmo, permanecerem assintomáticos.
A angina também
pode ocorrer em pacientes com insuficiência aórtica, porém menos comumente do
que na estenose aórtica. A causa da angina na regurgitação aórtica é,
provavelmente, multifatorial. A reserva de fluxo sanguíneo coronário
encontra-se reduzida em alguns pacientes, porque o escoamento diastólico para o
VE diminui a pressão diastólica aórtica, enquanto aumenta a pressão diastólica
do VE- essas duas influências diminuem o gradiente de pressão motriz de fluxo
através do leito coronário. Quando ocorre angina na regurgitação aórtica, ela
pode ser acompanhada de rubor. Outros sintomas são dor arterial carotídea e uma
desagradável percepção dos batimentos cardíacos.
AVALIAÇÃO
Eletrocardiograma
– A regurgitação
aórtica crônica determina desvio do eixo esquerdo e padrão de sobrecarga de
volume diastólico do ventrículo esquerdo, caracterizada por aumento nas forças
iniciais (ondas Q proeminentes em derivações I, aV1 e V3 a V6) e uma onda r
relativamente pequena em V1. Com o passar do tempo, estas forças iniciais diminuem,
mas a amplitude total do QRS aumenta. As ondas T podem ser altas e positivas
nas derivações precordiais esquerdas no início da evolução, porém mais
comumente elas mostram-se invertidas com depressões do segmento S-T. Os
distúrbios da condução intraventricular esquerda ocorrem tardiamente na
evolução e estão geralmente associados à disfunção ventricular esquerda. O
eletrocardiograma não possui acurácia preditiva da gravidade da RA ou do peso
cardíaco. Quando a regurgitação aórtica é causada por um processo inflamatório,
pode resultar em prolongamento do P-R.
Na
regurgitação aórtica aguda, o eletrocardiograma pode ou não evidenciar
hipertrofia ventricular esquerda, a despeito da presença de insuficiência
ventricular esquerda, dependendo da gravidade e duração da regurgitação.
Todavia, são comuns alterações inespecíficas do segmento S-T e da onda T.
Achados
Radiológicos – O tamanho do coração é função da duração e da gravidade de
regurgitação e do estado da função ventricular esquerda. Na regurgitação aórtica
aguda, pode haver pequeno aumento cardíaco, mas aumento acentuado é um achado
comum na regurgitação aórtica crônica. De modo típico, o ventrículo esquerdo
aumenta em direção inferior e para a esquerda, causando um aumento
significativo no eixo maior, mas as vezes pouco ou nenhum aumento no diâmetro
tranverso do coração. Calcificação da válvula aórtica é incomum em pacientes
com regurgitação aórtica pura, mas está freqüentemente presente em pacientes
com estenose e regurgitação aórticas combinadas. Como é o caso da estenose
aórtica, a presença de aumento atrial esquerdo evidente na ausência de
insuficiência cardíaca deve sugerir a possibilidade de valvulopatia mitral
associada. A dilatação da aorta ascendente geralmente é mais acentuada do que
na estenose aórtica e pode envolver o arco aórtico inteiro, incluindo o nó
aórtico. Dilatação aneurismática grave da aorta deve sugerir que doença da raiz
aórtica (por exemplo, síndrome de Marfan, medionecrose cística ou ectasia
anuloaórtica) é responsável pela regurgitação aórtica. Calcificações lineares
na parede da aorta ascendente são vistas em aortites sifilíticas, mas são
inespecíficas e também observadas em doença degenerativa.
Para
avaliação angiográfica da regurgitação aórtica, material de contraste deve ser
rapidamente injetado (isto é, 25 a 35 ml/s) na raiz da aorta e a filmagem
realizada em projeções oblíquas anteriores direita e esquerda. Opacificação
pode melhorar filmando durante uma manobra de Valsalva. Na regurgitação aórtica
aguda, há apenas um pequeno aumento no volume diastólico final ventricular, mas
com o passar do tempo, ambos volume diastólico final e espessamento da parede
ventricular aumentam, freqüentemente em paralelo.
Ecocardiografia
– A ecocardiografia é útil para identificar a causa da regurgitação
aórtica. Pode mostrar espessamento das cúspides valvulares, prolapso da
válvula, um folheto frouxo, vegetações ou dilatação da raiz aórtica. Embora a
imagem trans torácica usualmente seja satisfatória, a ecocardiografia
transesofágica freqüentemente fornece maiores detalhes. Estudos bidimensionais
são úteis para as medidas de volumes e dimensões sistólico e diastólico
ventriculares esquerdos, frações de encurtamento e frações de ejeção. Essas
medições, quando feitas seriamente, são de grande valor na seleção do momento
ótimo para intervenção cirúrgica.
Na
regurgitação aórtica aguda, o ecocardiograma revela uma redução da amplitude do
movimento da abertura da válvula mitral, fechamento prematuro e abertura tardia
da válvula mitral, e, no estudo do modo – M, uma redução do declive E-F;
indicando que o ventrículo esquerdo opera na parte íngreme de sua curva
pressão-volume. As dimensões diastólicas finais do ventrículo esquerdo não
estão muito aumentadas e o encurtamento fracional é normal. Isto contrasta com
o achado em RA crônica, nas quais as dimensões diastólicas finais e
movimentação da parede são aumentadas. Ocasionalmente, com equilíbrio entre
pressões aórtica e ventricular esquerda na diástole, a abertura prematura da
válvula aórtica pode ser detectada.
Vibração
diastólica de alta frequência do folheto anterior da válvula mitral durante a
diástole é um achado ecocardiográfico importante nas regurgitações aórticas
aguda e crônica; entretanto, não ocorre quando a válvula mitral é rígida. Este
sinal, que, ao contrário do ruflar de Austin Flint, ocorre mesmo na
regurgitação aórtica discreta, resultado movimento conferido ao folheto
anterior da válvula mitral pelo jato de sangue regurgitante da aorta.
Ecocardiografia
Doppler e imagens Doppler com fluxo colorido são as técnicas não invasivas mais
sensíveis e precisas para a detecção de regurgitação aórtica. Estas detectam
graus leves de regurgitação aórtica que podem ser inaudíveis pela ausculta.
Adicionalmente, pela medida da freqüência do decréscimo na velocidade do jato
reguegitante no ventrículo esquerdo, permitem estimativa da gravidade. O
orifício aórtico regurgitante pode ser estimado, bem como o fluxo regurgitante,
a partir da diferença entre o fluxo aórtico e o orifício da válvula mitral ou
pulmonar pode ser determinado por ecocardiografia Doppler contínua.
Imagem
por Ressonância Magnética Nuclear – Essa técnica fornece medidas precisas
dos volumes regurgitantes, volumes diastólico e sistólico finais ventriculares, e do orifício regurgitante.
Embora dispendiosa, a imagem por RMN parece ser a técnica não invasiva mais
precisa para avaliação do paciente com RA.
Pacientes
Assintomáticos com Função do VE Normal. Como a regurgitação aórtica aumenta
a sobrecarga do VE, a qual agrava a regurgitação, os medicamentos redutores da
pós-carga são eficazes no tratamento da doença. Os pacientes sintomáticos ou
que manifestam disfunção do VE devem ser submetidos a cirurgia valvular
aórtica. Para os pacientes asssintomáticos e com função do VE normal, a redução
da pós-carga é recomendada, porque retarda ou reduz a necessidade de cirurgia
valvular aórtica sem quaisquer efeitos adversos, quando da realização da
cirurgia. Atualmente, os melhores dados prognósticos são para a nifedipina, mas
outros vasodilatadores, inclusive os iECA, também melhoram a hemodinâmica na
regurgitação aórtica e podem ser, pelo
menos, igualmente benéficos.
Regurgitação
Aórtica Aguda. Uma vez presentes sintomas ou sinais de insuficiência
cardíaca, mesmo se discreta, a taxa de mortalidade do tratamento clínico é
alta, aproximando-se de 75%. A terapia com vasodilatadores, como o
nitroprussiato, pode ajudar a melhorar as condições do paciente antes da
cirurgia, mas não substitui a cirurgia. Em pacientes com regurgitação aórtica
aguda causada por endocardite bacteriana, a cirurgia podeser postergada, a fim
de permitir um ciclo amplo ou parcial de antibióticos, mas a regurgitação
aórtica grave persistente exige substituição valvular de emergência. Mesmo
quando hemoculturas recentes houverem sido positivas, e a terapia antibiótica
tiver sido breve, o índice de reinfecção valvular será baixo (0 a 10%). Assim,
a cirurgia de emergência não deve ser evitada simplesmente porque foi breve a
terapia antibiótica.
O
Momento Propício para Cirurgia Valvular Aórtica. Embora alguns pacientes
possam ser submetidos com sucesso a correção valvular aórtica, para restaurar a
competência valvular, a maioria dos pacientes necessita de uma prótese. Os
pacientes com sintomas avançados correm maior risco de um desfecho cirúrgico
aquém do ideal, tenham ou não evidências de disfunção do VE. Assim, os
pacientes devem ser submetidos a substituição valvular aórtica, antes de os
sintomas comprometerem o estilo de vida. Também é patente que os pacientes assintomáticos
com evidências de disfunção do VE beneficiam-se da cirurgia. Como as condições
de sobrecarga diferem entre a regurgitação aórtica e a mitral, os marcadores
objetivos de disfunção do VE também diferem. Na regurgitação aórtica, após a
fração de ejeção cair abaixo de 0,55 ou a dimensão sistólica final ter excedido
55mm, o desfecho pós-operatório fica comprometido, presumivelmente porque esses
marcadores indicam que a disfunção do VE se desenvolveu. Assim, a cirurgia deve
ocorrer antes de tais marcas serem atingidas.
Válvula
Aórtica Bicúspide e Outras Anomalias Congênitas. Aproximadamente 1% da
população nasce com uma válvula aórtica bicúspide; há uma predominância
masculina. Embora essa anormalidade usualmente não cause distúrbios
hemodinâmicos por ocasião do nascimento, as válvulas aórticas bicúspides tendem
a se deteriorar com a idade. Cerca de um terço dessas válvulas torna-se
estenótica, outro terço regurgitante, e o restante produz somente anormalidades
hemodinâmicas discretas. A agressão inicial responsável pela estenose da
válvula aórtica bicúspide não é conhecida, mas o espessamento e a calcificação
dos folhetos acabam inibindo a abertura, e ocorre estenose, geralmente na
quarta, quinta e sexta décadas de vida.
Algumas
vezes, a estenose aórtica congênita, decorrente de uma válvula unicúspide,
bicúspide ou, até mesmo, tricúspide anormal, causa sintomas durante a infância
e exige correção durante a adolescência. Ocasionalmente, essas válvulas
aórticas estenóticas congênitas escapam à detecção até a idade adulta, e, por
isso, o diagnóstico geralmente só é feito na terceira e quarta décadas de vida.
Estenose
Valvular Aórtica Tricúspide. Alguns pacientes que nascem com válvula
aórtica tricúspide aparentemente normal desenvolvem espessamento e calcificação
semelhantes aos que se verificam nas válvulas bicúspides. Quando a estenose
aórtica ocorre em válvulas aórticas tricúspides anteriormente normais, isso
geralmente se dá na sexta até a oitava décadas de vida. Não se sabe por que
válvulas aórticas antes normais degeneram em alguns pacientes, mas não em
outros. Contudo, a lesão inicial tem muitas características de uma placa
aterosclerótica, e existe uma certa associação entre a estenose da válvula
aórtica tricúspide e os fatores de risco da coronariopatia aterosclerótica.
Valvulopatia
Reumática. Essa valvulopatiaé, hoje em dia, uma causa rara de estenose
aórtica nos países desenvolvidos. Praticamente em todos os casos, a válvula
mitral também é claramente anormal.
A
existência ou não de sinais e sintomas clássicos da estenose aórtica – angina,
síncope e manifestações de insuficiência cardíaca – é a chave da história
natural da doença. Antes do aparecimento dos sintomas, a sobrevida é similar à
da população normal, sendo rara a morte súbita. Contudo, uma vez desenvolvidos
sintomas clássicos, a sobrevida cai abruptamente. Aproximadamente 35% dos
pacientes com estenose aórtica apresentam-se com angina. Desses, 50% morrem em
cinco anos, a não ser que seja realizada uma substituição da válvula aórtica.
Cerca de 15% abrem o quadro com síncope, dos quais 50% morrem somente em três
anos, a menos que seja substituída a válvula aórtica. Dos 50% que iniciam o
quadro com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), 50%
morrem em dois anos, se a válvula aórtica não for substituída. No todo, somente
25% dos pacientes com estenose aórtica sintomática sobrevivem três anos sem
substituição valvular, e o risco anual de morte súbita varia de 10% nos
pacientes com angina a 15% nos com síncope e 25% naqueles com insuficiência
cardíaca. O reconhecimento imediato dos sintomas e a avaliação quanto à
possibilidade de estenose aórtica grave são cruciais.
O diagnóstico da estenose aórtica
geralmente é suspeitado pela primeira vez, quando, durante o exame físico, é
ouvido o clássico sopro sistólico de ejeção. O sopro é mais intenso no foco
aórtico e se irradia para o pescoço. Em alguns casos, ele pode desaparecer
sobre o esterno e ser auscultado sobre o ápice do VE, dando a falsa impressão de
que também existe o sopro da regurgitação mitral (fenômeno de Gallivardan). A
intensidade do sopro aumenta com a duração do ciclo, porque ciclos mais longos
são associados a maior fluxo aórtico. Na doença leve, o sopro tem a sua
intensidade máxima no início ou no meio da sístole. À medida que a estenose se
agrava, o sopro progressivamente tem o seu ponto máximo mais tarde na sístole.
O indício mais valioso quanto à gravidade da estenose aórtica por meio do exame
físico é o retardo característico do pulso carotídeo com a diminuição do seu
volume; contudo, nos pacientes idosos, a maior rigidez carotídea pode
pseudonormalizar a ascensão carotídea. O impulso apical do VE (ictus) na
estenose aórtica não se encontra deslocado, porém é mais intenso e maior. A palpação
simultânia de um ictus do VE intenso, junto com um pulso carotídeo atrasado e
enfraquecido, é um indício persuasivo de estenose aórtica grave. A B1 na
estenose aórtica geralmente é normal. Na estenose aórtica congênita com válvula
não - calcificada, a B1 pode ser seguida por um clique sistólico de ejeção. Na
doença calcificada, a B2 pode ser única e suave, quando o componente aórtico
(A2) é perdido, porque a válvula não abre nem fecha bem. Em alguns casos, o
atraso no esvaziamento do VE, decorrente de disfunção ventricular, pode criar
um desdobramento paradoxal de B2. Um galope por B4 é comum. Na doença avançada,
a hipertensão pulmonar e sinais de insuficiência cardíaca direita são
surpreendentemente comuns.
Por causa
das conseqüências sombrias de não diagnosticar uma estenose aórtica
sintomática, os médicos vêem-se na contingência de solicitar o ecocardiograma,
sempre que a possibilidade de estenose aórtica não puder ser excluída pelo
exame físico. Os pacientes assintomáticos com sopros suspeitos beneficiam-se do
diagnóstico precoce que permite tanto ao paciente quanto ao médico serem mais
vigilantes no que se refere aos possíveis sinais e sintomas precoces, bem como
à orientação para o uso de medidas profiláticas, a fim de prevenir a
endocardite bacteriana.
Avaliação
Não-Invasiva. O ECG, na estenose aórtica, revela geralmente a HVE. Contudo,
em alguns casos até mesmo de estenose aórtica grave, não há HVE no ECG,
possivelmente pela falta de dilatação do VE, sendo comum encontrar anormalidade
do átrio esquerdo (AE), porque o VE rígido aumenta a pós-carga atrial esquerda,
causando a dilatação do AE.
A
radiografia do tórax na estenose aórtica, geralmente não é diagnóstica. A
silhueta cardíaca costuma não ser aumentada, mas pode assemelhar-se a uma bota.
Nos casos avançados, pode haver sinais de cardiomegalia e congestão pulmonar; a
calcificação da válvula aórtica pode ser vista na incidência lateral.
Ecocardiografia.
É indispensável para avaliar a magnitude da HVE, o desempenho da ejeção
sistólica e a anatomia da válvula aórtica. A investigação com Doppler da
válvula aórtica utiliza a equação de Bernoulli modificada (gradiente = 4x
velocidade2), para avaliar a gravidade da estenose. À medida que o sangue
circula do corpo do VE através da válvula estenótica, o fluxo precisa ser
acelerado, para que o volume permaneça constante. A investigação com Doppler da
válvula detecta esse aumento da velocidade e avalia o gradiente valvular.
Cateterismo
Cardíaco. Quando a ecocardiografia revela estenose aórtica grave, e o
paciente tem um ou mais dos sintomas clássicos da doença, a substituição
valvular deve ser realizada. Como a maioria dos pacientes com estenose aórtica
se encontra numa idade em que é comum a doença coronária, o cateterismo
cardíaco para a realização da arteriografia coronária geralmente é feito antes
da cirurgia.
A única
terapia para estenose aórtica é a substituição da válvula. Como já dito, uma
vez desenvolvidos os sinais e sintomas de estenose aórtica, a taxa de
mortalidade em três anos é de 75% sem a substituição da válvula. Contudo,
substituída a válvula, a sobrevida retorna quase ao normal. Até mesmo
octogenários beneficiam-se da substituição valvular, a não ser que outros
fatores comórbidos impeçam a cirurgia, de modo que a substituição da válvula
aórtica não deve ser negada simplesmente com base na idade, tampouco porque a
fração de ejeção se encontre reduzida; a pós-carga excessiva imposta pela
válvula estenótica é aliviada com a substituição da válvula, e o menor
desempenho da ejeção geralmente melhora significativamente após a cirurgia . A
exceção a essa regra é a fração de ejeção extremamente reduzida em face de um
pequeno gradiente valvular aórtico , quando a gravidade da estenose aortica
pode ser superestimada , porque o ventrículo esquerdo insuficiente tem
dificuldade em abrir uma válvula estenótica . Em tais casos a disfunção
muscular do VE possui uma outra causa ou é tão grave que não se recupera após
substituição da válvula.